22 de julho de 2014

Contautor | Flávio Torres fala-nos de "Canalha"

Temos desta vez como convidado na rubrica Contautor, Flávio Torres. Com um olho na Serra da Estrela e outro no estado da nação, o cantautor da Covilhã acaba de lançar o seu segundo álbum. "Canalha" é um disco com uma forte componente lírica e que musicalmente a sua folk se revela com um lado mais elétrico e abordando também o blues ou o swing. Damos agora a palavra a Flávio Torres que nos apresenta, uma por uma, as canções do disco.


CANALHA
Curiosamente foi um tema escrito logo após a saída do meu primeiro trabalho e que ficou em pausa na gaveta durante uns tempos, este tema seria para ficar numa versão muito folk apenas com guitarra acústica, no entanto quando voltei a trabalhar no mesmo surgiram ideias importantes de forma a acrescentar outro tipo de guitarras, percussões e vozes que acabaram por lhe dar mais movimento e energia. “Canalha” acabou por ser o single de avanço do álbum, pois o feedback dos primeiros ouvintes (família e amigos) foi decisivo para esta escolha. É um tema muito direto que chama Canalha a quem o é, que critica quem diz que ajuda mas que abandona, um tema que apela ao direito de revolta e à união de um povo acomodado que pouco faz para mudar e para se ouvir, uma música para acordar e sensibilizar de que não somos pobres de espírito e não merecemos ser enganados, roubados e violados. Tive o prazer de ter o Marco Silva na bateria e banjo.


FELIZ É O LOUCO
Para mim será o meu tema preferido deste disco, fala da importância da loucura (saudável) e como ela nos pode alimentar a felicidade, que será o mais importante da nossa vida. Diz-nos que ser muito sério e viver numa constante procura de dinheiro não será o caminho mais correto, pois a simplicidade da vida tem muito mais para nos dar que o poder. Este tema foi escrito numa tarde de Inverno no Estúdio da Montanha e vive de ambientes muito à la “Western”. A bateria foi gravada pelo Marco Silva e o Violino pela Susana Ribeiro.


ASSOBIO BÊBADO
Um dos elementos importantes da nossa cultura é o Vinho e sempre quis fazer uma música acerca deste líquido precioso, decidi na altura em que escrevia a música criar uma personagem sedenta deste suco e da companhia que lhe fizesse matar a saudade e as amarguras da sua vida. Talvez seja a música do álbum com um carácter mais cómico-dramático. A linha base de acordes pode induzir a sonoridades de raiz da nossa cultura musical tradicional, no entanto acabei por juntar melodias de guitarra elétrica e uma métrica de vozes diferente para que tivesse um outro tipo de identidade. As percussões ficaram a cargo do Tiago Pereira (Roncos do Diabo) e na bateria o Marco Silva. 


POLÍTICO SINISTRO
Este é mais um dos temas de crítica política. Aqui imaginei um político que estaria predisposto a falar abertamente ao povo e onde assumiria os seus erros e más decisões. A minha forma de imaginar esta situação acabou por ser um processo muito divertido de transcrever para o papel numa das noites de composição do disco “Canalha”.

Noventa e nove por cento das minhas composições começam sempre pela música pois é o que sai primeiro no meu processo criativo e esta não foi exceção, depois de estar feita arranjei uma melodia na voz com palavras ou sons sem qualquer sentido de forma a perceber a métrica que ficaria melhor, a letra foi saindo naturalmente como já descrevi acima. O ambiente musical é claramente Country com alguns adornos tipo “J Cash”. A Bateria foi registada pelo Marco Silva e as percussões pelo Tiago Pereira.


AI QUE MEDO
O tema com mais cadência bluesy do disco, música feita em pouquíssimo tempo no Estúdio da Montanha apenas com guitarra acústica em fingerpicking, gravei uma demo da mesma e lembro-me que andei com ela no carro durante uns dias de forma a perceber o que poderia ser feito para a tornar mais saborosa e acabei por juntar vários amigos que a tornaram especial. O medo faz temer tudo e todos e torna-nos fracos...todos sabemos, a verdade é que gosto de ser muito positivo quando escrevo algo e aqui tento evidenciar a importância de arriscarmos e lutarmos por aquilo que queremos sem que tenhamos receio de perder ou mesmo de sermos alvo de critica, interessa sim é tentar e arriscar por aquilo que acreditamos. A guitarra elétrica foi registada pelo João Guincho (Dapunksportif), nos coros o Paulo Franco (Dapunksportif), no baixo Manuel Póvoa, na Bateria o Marco Silva e no Saxofone o João Salcedas.



GOTAS DE COR
O Outuno é o tema desta canção, lembro-me de estar no estúdio perto da Janela apenas com a companhia da chuva que temia não parar, ao longe um Arco-Íris nítido, lá fora muito frio, lá dentro um conforto tremendo. O microfone estava on e em take quase direto saíram os primeiros acordes melancólicos desta música, juntei uma guitarra elétrica cheia de spring reverb, metalofone e um FM organ transcendente . Fala precisamente da chuva dessa tarde de introspecção com as cores do Arco Íris que incidiam na janela, foi para mim um momento solitário de brilhantismo pessoal. Adorei o resultado final com o resto de todos os instrumentos. De referir o bonito som de cântaro registado pelo Tiago Pereira.


LÍRICO DE AMOR
De início queria que fosse uma canção, mas após compor a base vi que tinha de ser mais que isso, imaginei de imediato uma melodia com guitarra slide que definisse um equilíbrio entre a letra e a voz, que fosse a paz e a sinceridade para as palavras que descrevem este Lírico de Amor dedicado ao meu irmão Rui Torres, que acabou por colaborar no registo de harmónicos em guitarra.

É um tema nostálgico com o equilíbrio entre slide guitar e os dedilhados da guitarra acústica. Aqui tive a colaboração no banjo gravado pelo João Rui (A Jigsaw) que lhe confere o aveludado perfeito, juntámos também a melódica subtil do Jorri (A Jigsaw) e a percussão sensível e discreta ficou a cargo do Tiago Pereira (Roncos do Diabo). 


PERDE POR PERDER
Esta música surge após a audição de alguns álbuns do senhor Robert Johnson, foi um total influenciador para que eu fizesse algo que fosse ao encontro de um Delta Blues dos anos 30-40, era algo que eu já queria fazer a algum tempo mas sempre tive receio de me colar a algum artista (por vezes é inevitável) tentei algumas vezes no estúdio encarnar este tipo de composição até que saíram os acordes que dão sentido à letra.

Após gravar as malhas de guitarra acústica, eléctrica e baixo o Marco Silva registou a bateria dançante.


AMANHÃ VAIS VER
Inicialmente e em pré-produção foi um tema composto em piano numa noite serena com a minha gata EVA a olhar-me fixamente por entre cabos e microfones, mas quando me desloquei para o Attack Release Studio o Produtor João P. Miranda sugeriu que algumas partes fossem substituídas pelo som clássico de flautas do Mellotron que a tornou especial logo na primeira audição, é uma música diferente da minha linguagem que me deu muito gozo fazer, talvez por ter um carácter de tensão e com qualquer coisa de sinfónico de acordo com os strings registados. O Diogo Freire (Meu & Teu) ajudou nos coros com a sua voz libertina.


FRONTEIRA
Esta não estava planeada sair no disco, mas acho que irei sempre terminar as minhas obras com um tema instrumental. 

Muito antes de ter planeado qualquer abordagem para este trabalho o realizador António Lopes convidou-me para fazer uma música para uma curta que estava a gravar de nome “Fronteira” e na altura registei-a apenas com duas pistas numa linguagem que fosse ao encontro do espírito dessa curta.

Assim que terminei o álbum achei por bem ser esta a música de encerramento, foi então que fui regravar mais algumas pistas de guitarra e um piano com delay + chorus de forma a ficar mais equilibrada com toda a cena musical deste “CANALHA”.

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